quinta-feira, 10 de março de 2011

A minha janela

O sorriso seu tem o poder de suspender toda a alegria, tem a luz do início e a cor boreal da batida. É vital, é necessidade.
O sorriso seu faz casamento com seus olhos, se alarga erradicando o peso de meus ombros. Corre como em estrada livre nas viagens surpresas, me diz a leveza da sua simetria, desperta o gosto do que há de mais bonito.
O sorriso seu é o furacão do dia de sol, o laço das brincadeiras, a dança dos meus raios. Traz consigo meus zelos, o som de meus pés e o fechar das minhas pálpebras.
Colorindo o que há entre testa, sobrancelhas e boca, é a porta elogiando a campainha. Me prende, me arrasta, enobrece e depois da redenção dos suspiros, me faz sorrir, o sorriso seu.


Bruna Bugana

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Armageddon

Minha caixa isolada é meu obtuário. Os ponteiros fazem o pacto cruel de lentidão dolorosa para zombar dos que valorizam seu serviço. O casulo submisso faz prisioneira a borboleta, a cafeteira impaciente controla as gotas do cheiro que aguarda, as nuvens vem e observando o limite de sua fumaça seguram o choro.

Minha poltrona já costurada com minha pele, me engole por compaixão na rapidez siamesa do que não existe. No manto de minhas pálpebras, no silêncio de meus devaneios, Cronos se compadece. Tudo para. E como em um casamento de coisa alguma, os movimentos estáticos entram em harmonia da noite de núpcias.

Mas passos firmes de ex-combatente atravessam o jardim desafiando a sádica mãe-natureza da espera e humilhando seus filhos. Sou descoberta em meus olhos de gato, perceptores de frequências desobedientes. Eles continuam a seguir a linha traçada. Encontram um degrau, outro e por fim, a varanda. Minhas pupílas dilatando-se na batida do peito, vê a sombra junto a porta. Os braços de guerra esticam-se e os dedos pródigos suspiram frente à campainha.

Estrondo. Subitamente um trovão combinado com o som do juízo final anuncia a volta da vida. Na ausência de onomatopéias, minh' alma como um corpo que acha a superfície após afogamento em incertezas, puxa o ar e arrancando-se de seu parasita, suga a energia para romper barreiras dimensionais entre mundos.

A borboleta é liberta, o café pinga, a porta abre. Cerimônias diluem-se diante da glória do retorno. Olhos por olhos, lábios por lábios. A chuva sela a união temporal perfeita.


Bruna Bugana

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O cego e o amor

Jamais culpe seu amor pela inconsequência do cego
Você pode amar, ele não pode ver
Não há o que perder

Guarde seu amor
Conserve sua visão
A grandeza está nos pequenos sentidos
Inclusive os do coração.


Bruna Bugana

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Viúva-Negra

O buraco está vazio. Onde, outrora, havia teias que costuravam sentimentos, só há escuridão. Neste vazio impetuoso, me tornei venenosa. Não, não era o que eu queria. Mas fui obrigada a me submeter às circunstâncias.

Ele veio. Era um dia como qualquer outro, porém a mãe natureza o reservava para a perpetuação de minha espécie. Sempre aguarei o momento em que, em mim, haveria outro ser. É o ciclo natural. O que não sabia era que ao vê-lo diante de mim, as coisas mudariam e o sentido seria muito maior.

Me amou. Foi comigo como ninguém nunca havia sido. Um ser se transforma em dois por um elo feito de qualquer coisa mais significativa que um mero acasalamento. Deu-me sonhos, esperança, sustentação e proteção. Em uma dança de dezesseis pernas entrelaçadas, reproduzir seria apenas consequência.

Lembro-me do dia. Daquele dia, onde toda minha estrutura veio a cair. Possuía em mim a marca de sua presença, e agora, de sua ausência. Não havia som, não havia nada. Não havia ninguém. Foi embora e levou tudo que era meu. Tudo que eu havia entregado de bom grado.

Dias e dias passei aqui, no frio da noite e também no frio do dia. Mas reerguer-se é necessário quando há um mundo lá fora que não espera que minhas mágoas decidam fazer as malas sozinhas. Entendi que não eram meus conjuntos de seda irregulares, onde aquele artrópode desconhecido por minha alma havia dado as formas mentirosas do seu coração leviano, que me manteriam de pé novamente. Seria apenas eu.

Assim, me tornei peçonhenta. Todo e qualquer macho que se aproxime de minha existência tem como único papel ser só mais um a copular. Após o ato, a morte. Mato junto com eles, toda e qualquer intenção de ser alguém em minha vida. Mato as expectativas irreais que resultariam em desilusão. Mato as chances de ser magoada. Sou nutrida por aqueles que me machucam.

Alguns dizem que meu propósito não é matá-lo. O propósito é sim, mas a vontade não. Tenho a tola esperança de que em minhas patas haja o ser cuja coragem de estar e de mostrar-me a verdade por trás de sua vulnerabilidade, desafie minha insanidade e com isso, não haja mais presa e predador em uma mesma espécie. Porém, anos e anos se passam, e só me conhecem pela característica mortal de meu veneno, jamais pelas razões do mesmo.

Essa sou eu, assim como tantas outras vítimas da entrega. Viúva-Negra. O nome da espécie onde nós, aranhas, estamos de luto pela morte de nossa própria paixão.



Bruna Bugana