quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Leiva

Sentou-se. Deixou que aquele único feixe de luz iluminasse aquele lugar, o seu próprio medo. Viu-se à margem de sua própria existência, tentando ser melhor do que não era. Em sua boca, o gosto amargo da compaixão pelos próprios planos, nos olhos uma escuridão melhor do que qualquer claridade e suas asas já não passavam de um fruto imaginário. Tudo que cresce, chega a um ápice para que decline, resultando em um fim. Mas como conhecer o limite? Já que o hoje resume-se ao foi e ao será; À lembrança e à esperança; O ontem e o amanhã. O hoje afogou-se dentro de sua alma. A mudez grita e a boa audição perdeu sua virtude.
Deliniava a sombra de si mesma, sem ao menos saber quem era. Uma característica que cheira à benção e maldição. Já acariciava suas correntes com um doloroso sorriso. Já não sabia se estava a ponto de desabrochar ou de murchar. Perdeu-se onde ninguém ousa descobrir.
O feixe de luz sumiu quando fechou os olhos, sentia algo congelar e endurecer feito pedra dentro do peito. Talvez haja apenas benção agora. Já possuia sua leiva. Tudo se elucidava novamente ao abrir dos olhos, porém de uma nova forma. Não havia obrigações para inadimplir, pois já conhecia sua hermenêutica.
Tudo que cresce, chega a um ápice para que decline, resultando em um fim. Até mesmo a autoescravidão.



Bruna Bugana

sábado, 16 de janeiro de 2010

Viajante

Caminhando. Desejando. Esperando. Enquanto sigo esta estrada, posso sentir o vento bater contra meu rosto, fazendo meus olhos se fecharem, porém meus pés sabem exatamente a direção certa. Minhas pernas, tão famintas quanto esperançosas, almejam o que me espera no fim deste caminho. Íngrime! Não há outra palavra que o defina tão bem.
Ao lado de onde ando a paisagem muda conforme meus pensamentos; Ora uma praia, ora uma floresta, ora deserto, onde sei que o verdadeiro oasis se encontra no fim desta jornada.
Já faz um tempo que ando, por isso meus calçados estão surrados. Nunca parei para descançar. Cheguei a encontrar outras pessoas na estrada, todas na mesma direção que eu, mas estas seguem atalhos incertos para o fim de suas próprias estradas e eu continuo aqui. Nasce dia, morre noite, eu continuo aqui. Sendo movida pela imagem, que não sei se vivi ou se sonhei, mas que mora em mim de maneira tão forte que dirige meu corpo.
Continuarei andando até encontrar o fim desta estrada, onde me aguarda o verdadeiro destinatário da nova velha carta e quando encontrá-lo não terei mais nenhum caminho, nenhuma direção para seguir. Quero dizer, não sozinha.


Bruna Bugana

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

À velha carta

Te escrevi com paixão, tuas letras eu formei com cuidado para que passasse ao amado destinatário o lindo abstrato que habitava em mim. Derramei lágrimas de alegria sobre ti, mas as enxuguei para que não se manchasse e alterasse aquelas palavras de amor. Te analisava para que em ti não houvesse nenhum sinal incorreto, assim como não havia em mim. Quando terminei de preencher-te, a apertei com zelo contra meu peito, ah, agora era impossível distinguir onde habitava o calor. Beijei teu centro enquanto mais lágrimas alegres rolavam. Seca folha cheia de emoção. Te guardei num envelope onde havia borrifado meu perfume e te encaminhei a quem aquelas palavras pertenciam.
O tempo passou. As lágrimas alegres secaram e deram lugar a outro tipo de lágrima, mas estas, por sua vez, também secaram.
Queria hoje trazer-te de volta para mim. Não porquê tuas sílabas perderam seu valor. Apenas cometi um engano: o tal destinatário não era o dono ou sequer merecedor de tais palavras. Por isso, te guardaria em minha gaveta até teu verdadeiro destinatário aparecer.
E o tempo passa.


Bruna Bugana

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Cigano

Não me venha com seus truques e feitiços
Já entendi a tua dança, menino.
Sei da tua fama, você não me engana,
Queres meu coração partido.

Mal sabes tu que o nômade não trapaceia a anfitriã
Não fazes ideia de que conheço tua laia
Queres que ao teus pés eu caia,
Mas acredite, das tuas peças eu sou a artesã.

Meu coração tu não roubarás cigano faceiro
Enrolas a corda sobre teu osso
Enquanto enrolo-a em teu pescoço
O feitiço vira contra o feiticeiro.


Bruna Bugana