terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Concha

Mais uma vez aconteceu. Basta. Tô fechando minhas cortinas, trancando a porta, colocando os sonhos em baús empoeirados e escondendo a chave de mim. Tô quebrando os pratos e juntando os cacos, tô apagando o colado; Tô varrendo a poeira e guardando-a em mim, tô desamarrando, despedaçando e espalhando pétalas; Tô jogando água fria na brasa, pondo ponto final entre vírgulas. Tô lendo o emaranhado, rabiscando o velho jeito, tô querendo nada. Tô beijando com ardor a faca de dois gumes, acariciando os espinhos; Tô dando fim a Cronos e Cairós. Tô recolhendo a esperança, prendendo a expectativa e fazendo-a se calar; Tô rasgando o rejunte, gritando amordaçada, prisioneira da auto-desconfiança. Tô olhando no espelho, abraçando o medo, tomando chá com a culpa. Tô entrando na minha concha, ficando no escuro, nada de barulho. Talvez ela volte a se abrir quando eu for capaz de amar menos do que amo e quem sabe assim, dentro dela, encontrem uma pérola ao invés de mim.


Bruna Bugana

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Escuro e silencioso

Já não quero mais a velha música tocando, já não quero o mesmo perfume em minha pele, o mesmo sorriso estampado ou o mesmo olhar. Nada que eu espere é de meu agrado, o que provoca desejo pelo desconhecido. O desconhecido que vaga dentro de mim, sendo sondado pelo meu próprio oceano. Oceano que não deixo ser explorado por muito tempo, apenas leva consigo a escuridão do meu próprio ser, e o conforto que isso causa, provoca em mim apenas confiança.
A transparência, a entrega, certa vez, gerou dor. Motivo pelo qual, meu oceano não aceita que rios desaguem nele. É solitário, calmo, silencioso. Já ficou agitado por muitas tempestades ruins, mas assim que estas cessaram, tudo que havia dentro dele que não era seu foi cuspido por suas ondas e levados a uma praia que já não existe mais.
Minhas águas escuras desejam uma tempestade talvez, mas uma nova tempestade, assim como o desconhecido que estas sondam. E junto com boas novas chuvas virá uma nova melodia, um novo aroma que tingirá cada gota do meu oceano até que a escuridão seja repelida, um novo gesto de felicidade ou uma nova sensibilidade no fitar. Porém, a nova tempestade deixará o que for do meu mar dentro dele e o fará crescer, acrescentando assim suas gotas na imensidão de novas cores. Mas enquanto o céu não indica que vá chover, meu oceano aguarda. Paciente e escuro.

Bruna Bugana

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sábio descanso

Fui feito de cimento, concreto, me pintaram de branco e me colocaram aqui no canto da praça, onde passo minha vida. O que mais gosto aqui são as crianças nos dias de domingo, que saem correndo atrás de um homem que empurra um carrinho com um monte de coisa branca (ou muitas vezes, rosa) e pequena que elas chamam aos gritos de ''pipoca''. Eu sinto muito afeto pelas crianças, os seus olhos brilham como se a mágoa nunca tivesse existido, os sorrisos fazem qualquer dor ser esquecida e quando tenho o prazer de que uma delas se sente em mim, posso ver como são agradáveis seus assuntos. Se eu pudesse ser um ser humano, certamente escolheria ser criança.
Já presenciei de tudo aqui debaixo dessa sombra de mangueira. Já vi minha praça ser reformada incontáveis vezes, pude ver a construção de um pequeno parquinho no centro da praça, o que atraiu, como já disse, os personagens favoritos da minha história, as crianças. Mas não são as construções ou reformas que fazem da minha existência algo mais interessante. São as relações.
Quando sinto pessoas sentando em mim, já sei que estou sujeito a qualquer tipo de coisa. Términos de namoro, pedidos de namoro, beijos, abraços, choros, risos, silêncio. Mas de qualquer forma, é muito interessante isso tudo. Pude aprender mais sobre os humanos, apenas observando as relações que eles tem entre si.
Aprendi, por exemplo, sobre as diferenças entre homens e mulheres. Homens são totalmente racionais, estratégicos, mas sempre parece que não estão prontos para enfrentar dificuldades. Mulheres não. São emotivas, decididas, sensíveis e quando amam, estão sempre dispostas a fazer o impossível. Homens fazem comentários sobre os corpos femininos que passam a sua frente, enquanto mulheres discutem sobre a espera. Sim, a espera. Mulheres sempre esperam o homem perfeito, o último capítulo da novela, a hora do chá, a unha crescer, um creme que acabe com as rugas...mulheres sempre esperam parar de esperar.E por ai vão, inúmeras diferenças entre os sexos.
Aprendi que a dor de perda, talvez seja a mais dolorosa. Todos os tipos de perda fazem as pessoas entrar em buracos que insidem dentro delas e ficar lá a dispor da fragilidade. Já fiquei tão comovido com a dor dessas pessoas, que sentia uma enorme vontade de que me pintassem e colocassem uma placa em mim '' Tinta fresca, NÃO SENTE!''. Vontade de ficar só e não presenciar nenhum segundo a mais daquele sofrimento.
Mas aprendi também sobre a melhora. Quando os humanos sofrem, eles aprendem. Posso ver isso claramente nas conversas de idosos que tenho o prazer de testemunhar. É um tal de '' e eu achei que fosse morrer!'', '' pensei que nunca fosse passar!'' ; Os mais velhos se tornaram sábios através das experiências tanto boas quanto ruins.
Se eu pudesse aconselhar os humanos, o meu conselho seria viver ao extremo, pois nem mesmo as coisas ruins são ruins, apenas fazem parte dessa coisa que chamamos de vida. E como diria uma música que passa muito na rádio da minha praça...'' E tudo nascerá mais belo, o verde faz do azul com o amarelo, o elo com todas as cores pra enfeitar amores gris.''
Mas o que posso eu dizer? O que posso fazer? Sou só um banco de praça que vive embaixo de uma sombra de mangueira.

Bruna Bugana

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A nova essência

Seu coração sabia. Sabia que a reciprocidade nunca esteve presente. Amor não vai embora, não acaba. Mas como resolveria? Como ir contra a sensação prazerosa daquela presença maléfica? Mesmo que aquele ser a tratasse mal, seu amor suportava. Porém, quando o sofrimento desafiou sua coragem de precisar somente de sua própria existência, ela foi corajosa.
Quantas noites trocadas pelo dia, quantas fronhas molhadas, quantos desejos não atendidos. Se aquelas paredes sentissem aquela dor, iriam ao chão, urrariam ao estalar de seus tijolos quebrados no mesmo instante que aquelas lágrimas caiam. O vazio crescia proporcionalmente à razão. No entanto, mal sabia ela que a dor a transformaria num novo ser, numa mulher.
O tempo passa. O riso substituiu o choro, a dor se transformou em experiência e aquela menina que amou alguém imaturo o suficiente para não conseguir ser verdadeiro, tornou-se uma mulher que ama, antes de tudo, ela mesma.
Seu coração sabe. Sabe que é capaz de amar loucamente, mas é feliz sem precisar ter alguém ao seu lado para esperar reciprocidade. O amor não acaba, se transforma. E como resolver? Não resolve. Algumas pessoas são incapazes de crescer e o coração leviano permanece.
Ignorando. Esse é o gerúndio perfeito para aquele ser que se perdeu na memória. E se aquelas paredes pudessem sentir sua nova essência, elas cantariam, mudariam de cor e cresceriam, certamente, muralhas.


Bruna Bugana

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Manchas Insanas!

Cicatrizes. Marcas. Manchas. Somos vítimas ou autores de feitos que deixam lembranças. Nos magoamos, choramos, mentimos, sentimos e acreditamos, mas para cada ação há uma reação, boa ou ruim. Para cada plantio, há uma colheita e cada colheita marca o solo. Cada ação, cada feito, cada pessoa que passa, deixa manchas.
Deixamos e temos manchas cravadas em nossa vida, talvez por inocência, talvez por amor, talvez por ódio, talvez por insanidade. Manchas que talvez, nem o tempo apague, manchas que fazem nosso orgulho dilatar, há com certeza todo tipo de mancha.
Alguns ignoram tanto o fato de serem marcados quanto o fato de marcar, sendo assim, tornam-se muitas vezes levianos, outros, tem orgulho de expor suas manchas e deixar que o mundo veja o quanto foi dolorosa ou prazerosa sua colheita. Mas independente do modo que tratamos nossas cicatrizes, tentar entender o motivo da presença destas, é insanidade.
Desde que o mundo é mundo, as pessoas arcam com as consequências de suas causas, não deveríamos tentar entender o que se passa na cabeça das pessoas que nos marcam, afinal, ao mesmo tempo que mancham, são manchados. Temos que aprender a não olhar para trás para tentar apagar manchas, devemos simplesmente aprender com elas.
E é por este mesmo motivo que eu exponho aqui, minhas manchas. Minhas manchas insanas! 'Ó quão belas são estas que fazem parte de mim!' Algumas com lembrança ácida, outras cheiram a doce pronto. E agradeço a todos que um dia me marcaram, pois minhas manchas, elas sim, moldaram o ser humano que sou hoje!


Bruna Bugana

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Fonte de sorrisos

Nós sempre buscamos em pessoas, situações, lugares ou lembranças, motivos que nos dão muita alegria. Passamos a vida inteira ao lado de pessoas que nos fazem bem, procurando ao máximo ser feliz ao lado delas. Mas aí é onde mora o perigo.
Nem sempre vamos ter o apoio que precisamos e buscamos nas pessoas ao nosso redor e somos surpreendidos quando alguém em quem confiamos nos dá as costas e nos deixa por livre e espontânea vontade. E logo após a perda, vem a dor. Precisamos ser o nosso próprio apoio, o nosso refúgio feliz, a fonte dos sorrisos, saber pintar finais felizes sem a ajuda de ninguém além de si mesmo, pois, a pior dor é quando sabemos que nem nosso próprio ser é suficientemente capaz de suprir a ausência de amor ou de qualquer outro sentimento que resulta na sensação de corpo ressequido que se estira num banho tépido. Pessoas vão e vem, assim como paixões, mas o importante mesmo é saber que não importa quem já foi, quem está ou quem virá, você será sempre seu melhor amigo e seu próprio encanto para que aprenda assim viver sem precisar de ninguém além de você mesmo e de seu amor próprio.


Bruna Bugana